Arganil, 18 de Junho de 2010
No encerramento deste X Congresso Nacional das Misericórdias Portuguesas quero começar por saudar os seus representantes, Senhores Provedores, Mesários e demais Irmãos. É com sentido e profundo reconhecimento pelo vosso trabalho e pela vossa dedicação que me dirijo a este Congresso.
As Misericórdias portuguesas têm fortes razões para se orgulharem do inestimável contributo que têm prestado e continuam a prestar aos Portugueses e a Portugal.
A sua história de cinco séculos não encontra paralelo em nenhuma outra instituição social que de forma tão continuada e, ao mesmo tempo, tão decisiva, tivesse contribuído para minorar o sofrimento e a exclusão entre os Portugueses.
Foi no combate à fome, à doença e à exclusão que se forjou esta obra inestimável que integra, de pleno direito, a secular história de Portugal como Estado e como Nação.
Curiosamente, foi no contexto da construção dos pilares do moderno Estado português que a Obra das Misericórdias se lançou e expandiu, por iniciativa da Rainha D. Leonor.
Nessa altura, houve consciência clara de que a afirmação do Estado não era incompatível nem concorrencial com a organização autónoma das Misericórdias.
Pelo contrário, Estado e Misericórdias só tinham a ganhar com a acção complementar e cooperante.
Se o Estado moderno foi obra de monarcas e de elites, a vasta rede de Misericórdias que se estruturou à escala nacional, foi obra dos portugueses, dos homens bons das cidades e das vilas que através da sua dedicação e do espírito de solidariedade, criaram uma das instituições mais importantes da nossa sociedade.
Ao longo destes cinco séculos de história comum, nem sempre o desejável espírito de cooperação e a autonomia institucional foram respeitados. Há que reconhecê-lo!
Já na vigência do actual regime democrático, essa relação, que deveria ser de confiança e de partilha na busca de soluções para os problemas que afectavam a população portuguesa, foi fortemente abalada pela concepção estatizante de alguns governos.
O que se passou no domínio dos cuidados de saúde é um bom exemplo dessa quase obsessão de tudo sujeitar à tutela e à administração directa do Estado.
As consequências desses excessos são hoje sobejamente conhecidas.
Perdemos muitos anos a recriar o que já estava criado, a recuperar experiência e competências que já existiam, a esbanjar recursos que poderiam ser canalizados para domínios mais carenciados e de maior urgência social.
Felizmente, tomou-se consciência dos erros e, lenta mas pragmaticamente, foi-se arrepiando caminho.
A recente celebração de um protocolo entre as autoridades de saúde e um considerável número de misericórdias portuguesas, visando a contratualização de serviço público por parte destas, é um passo que me apraz assinalar. Esse passo pode representar uma valorização significativa do sistema nacional de saúde, tornando-o mais eficaz, com maior qualidade de serviço e maior satisfação dos utentes.
Temos de reinventar o conceito de serviço público, nomeadamente na diversidade das áreas sociais. Um novo conceito que atenda mais à necessidade de dar uma resposta rápida e adequada aos crescentes problemas sociais da população portuguesa, do que ao respeito de uma visão ideológica que os tempos tornaram obsoleta.
As dificuldades financeiras e de crescimento da economia para os próximos anos deveriam convidar-nos a pensar de forma objectiva e desapaixonada nos desafios de emergência social que já estamos a enfrentar.
São conhecidas as dificuldades de financiamento do Estado, bem como os constrangimentos decorrentes da crise financeira que obrigarão, em maior ou menor proporção, à contenção da despesa social.
Entretanto, são tão ou mais conhecidas e sentidas as dificuldades crescentes que afectam entre 2 a 3 milhões de portugueses. Destes, uma grande parte sofre, ou está em risco de vir a sofrer, as consequências típicas das situações de emergência social.
Crianças, jovens, desempregados, deficientes, doentes crónicos, idosos, famílias inteiras em situação de privação material ou de exclusão social grave esperariam, nesta conjuntura, um redobrar da atenção e do apoio por parte do Estado, precisamente quando este enfrenta as maiores dificuldades em manter os níveis e os mecanismos de protecção social.
São cada vez mais os que necessitam de ajuda e são cada vez menos os recursos que o Estado lhes pode distribuir.
Esta é a indesejável e triste situação que temos de enfrentar.
Só os Portugueses e as suas instituições de solidariedade social poderão atenuar os efeitos desta calamidade social que não pára de tocar um crescente número de cidadãos.
Os senhores, enquanto responsáveis pelas misericórdias portuguesas, sabem do que estou a falar.
Conhecem o dia-a-dia dessa luta e as dimensões que esse fenómeno está a atingir.
Vivem directamente as histórias de sonhos desfeitos, de ilusões destroçadas, de vidas que não encontram futuro, do presente insuportável para a dignidade pessoal que muitos teimam em manter.
Sabem todos do que é que estou a falar.
Por isso vos peço que não baixem os braços, que não desistam perante a adversidade e o avolumar dos problemas das vossas instituições.
Transmitam a todos quantos trabalham nas vossas creches, nos vossos lares, nos vossos hospitais, nos vossos refeitórios, o quanto confiamos na dedicação, na capacidade de ajudar quem vos procura, no inestimável contributo que têm vindo a dar para que os Portugueses mantenham a esperança num futuro melhor.
Transmitam aos vossos voluntários o quanto esperamos da sua dedicação desinteressada. Digam-lhes que o seu exemplo não será esquecido.
Ajudem a promover o reforço dos laços familiares, dêem maior expressão a essa ideia central de solidariedade entre gerações, continuem a estar disponíveis para cooperar com outras instituições.
Ajudem a identificar os problemas, mobilizem todos os recursos que estão disponíveis, superem desconfianças antigas e divisões artificiais.
Todos não seremos demais para enfrentar os tempos difíceis que nos batem à porta.
Para empreendermos esse combate precisamos do espírito solidário de todos os Portugueses.
Precisamos de mobilizar todos os recursos e boas vontades para ganharmos esse desafio.
Confio na vossa determinação e no vosso trabalho.
Confio que as Misericórdias Portuguesas vão continuar a justificar o reconhecimento da dedicação, do espírito solidário e do mérito relevante que está inscrito na sua história e que os Portugueses jamais esquecerão.
Por esta razão decidi agraciar a União das Misericórdias Portuguesas com o título de Membro Honorário da Ordem de Mérito, cujas insígnias terei o gosto de entregar ao seu Presidente, Dr. Manuel de Lemos.
Faço-o com um sentido pleno de justiça e na certeza que à exigência e expectativa que esta condecoração traduz para quem a recebe, responderão as Misericórdias Portuguesas com o melhor do seu empenho e da sua solidariedade.
Muito obrigado.
Presidência da República
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