terça-feira, 30 de março de 2010

Misericórdias vão ter de entregar lista de médicos

Saúde
Misericórdias vão ter de entregar lista de médicos
por Rute Araújo
Publicado em 29 de Março de 2010 .
Ministra quer evitar transferência de doentes. Misericórdias dizem que "é apenas um princípio"
O Ministério da Saúde quer evitar a transferência de doentes para as Misericórdias por médicos que acumulam trabalho no Serviço Nacional de Saúde e nestas instituições. O protocolo assinado este fim-de-semana - que permite aos utentes serem atendidos pelo sector social, pagando apenas as taxas moderadoras - obriga cada Misericórdia a entregar a lista do pessoal clínico quando fechar os acordos. Mas o presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, diz que "este é apenas um princípio".

Este protocolo agora assinado surge na sequência das negociações do Orçamento do Estado entre o governo e o CDS no início do ano. A troco de viabilizar o Orçamento, os centristas propuseram o recurso às Misericórdias para combater as listas de espera dos doentes.

Quando começou a discutir este protocolo, em Fevereiro, a ministra Ana Jorge garantia em entrevista à Antena 1 que "as regras têm de ser muito bem definidas, para que quem trabalha num sítio não trabalhe noutro". "Não fará sentido que os mesmos profissionais que trabalham no sector público de manhã vão à tarde para as Misericórdias fazer as listas de espera que não fizeram de manhã", defendia Ana Jorge.

O que está então no protocolo? "As Santas Casas de Misericórdia acordam em, progressivamente, alocar aos cuidados de saúde objecto dos acordos de cooperação profissionais de saúde que não desempenhem funções, em tempo completo, nos estabelecimentos de saúde do SNS", refere o documento.

Manuel Lemos admite que as Misericórdias têm vários médicos a trabalhar também no SNS e defende que o princípio inscrito no acordo se aplica apenas aos clínicos em exclusividade no público, "para evitar suspeições de transferência de doentes". "Se os médicos estiverem em regime de 35 horas no SNS, podem fazer cirurgias noutro sítio. Não vejo nada de mal nisso. É o que acontece na hemodiálise, nas análises, em todo o lado. É uma forma de utilizar esse potencial", acrescenta. Por isso, o presidente da União das Misericórdias vê esta alínea apenas como "um princípio desejável, que até é inovador, porque no geral não é assim". Quanto aos clínicos que não têm exclusividade com o SNS, refere que "no dia em que o Estado tiver uma posição igual para todos, as Misericórdias serão as primeiras a aplaudir. Mas o sol quando nasce, tem de nascer para todos". Até lá, "as Misericórdias não podem ser discriminadas negativamente" pelo protocolo.

A visão do Privado "Uma distorção na concorrência" é como a responsável pela Espírito Santo Saúde, Isabel Vaz, olha para o acordo. "Se o Estado diz que não tem capacidade em determinadas áreas, por que razão não pergunta aos privados e sociais se estão dispostos a receber os doentes? Por que razão se vai contratualizar com uns e se deixa os outros de fora?", questiona. A administradora considera que "esta é uma forma de ganhar na secretaria" e lamenta, mais uma vez, que a escolha do doente não seja tida em conta.

Miguel Boquinhas, administrador dos Hospitais Privados de Portugal (HPP), diz que "não inveja a posição dos outros", mas considera que, por princípio, "se o Estado não tem capacidade de resposta, deve fazer acordos com o sector privado e social". "O que vier facilitar a vida do doente é sempre bom." Mas refere também que, ao mesmo tempo, "deve haver uma preocupação para rentabilizar a capacidade instalada do SNS".

Manuel Lemos diz que os 19 hospitais das Misericórdias têm capacidade para 70 mil cirurgias e 300 mil consultas anuais. Mas a ministra Ana Jorge quer apenas recorrer à rede social nos casos de "necessidade urgente". Cada Administração Regional de Saúde vai agora fazer um levantamento das áreas carentes e os acordos irão incidir em alguns tratamentos considerados prioritários. O exemplo vai para o tratamento da retinopatia diabética que, quando não é tratada atempadamente, pode levar à cegueira. Falta ainda fechar a tabela de preços, mas Manuel Lemos diz estar disposto a cobrar "o mesmo, ou menos" que os hospitais públicos de igual dimensão.

Se agora o governo entende recorrer às Misericórdias para melhorar o acesso, há dois anos optou por outra solução para resolver as listas de espera em oftalmologia. "Não podemos aceitar que, havendo capacidade no SNS, a produção adicional seja prioritariamente contratada fora do sector público. Essa opção desresponsabilizaria os hospitais públicos e daria um indesejável sinal de abandono do serviço público de saúde", justificava então a ministra.

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