domingo, 12 de dezembro de 2010

A COERÊNCIA FORTALECE

Chamamos à colação o tema da COERÊNCIA por nos parecer que o seu exercício e a sua prática primam pela ausência onde as circunstâncias exigiriam pensamento e acção consentânea com o respeito integral por este princípio basilar nas relações interinstitucionais sãs, fraternas e profícuas.
Retirámos do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa a definição de COERÊNCIA: 1 qualidade, condição ou estado de coerente 2 ligação, nexo ou harmonia entre dois factos ou duas ideias; relação harmónica, conexão 3 congruência, harmonia de uma coisa com o fim a que se destina 4 uniformidade no procedimento, igualdade de ânimo 5 EST propriedade de critério que assegura a não adopção de decisões baseadas em incertezas e cujas consequências são nitidamente indesejáveis."
Tudo isto vem a propósito das iniciativas e das palavras proferidas pelos "dirigentes" da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), nomeadamente pelos "presidentes" da Direcção e da Mesa do Conselho Nacional, relativamente, ao Decreto Geral para as Misericórdias aprovado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e promulgado pela Santa Sé.
Várias foram as reuniões, informais e/ou formais do Conselho Nacional e agora também da Assembleia Geral onde o tema do referido Decreto foi abordado.
Invariavelmente, os "presidentes" da Direcção e da Mesa do Conselho Nacional protagonizaram iniciativas de total e absoluta rejeição do teor do referido Decreto, tendo mesmo anunciado, primeiro, em órgão da comunicação social (CM) e propondo, no dia a seguir, em reunião formal do Conselho Nacional a recusa de diálogo com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) enquanto esta não revogasse esse mesmo Decreto.
A "presidente" da Mesa da Assembleia Geral, dentro da mesma linha de orientação, na última sessão da Assembleia Geral ajudou na redacção final de uma Moção, que os participantes não tiveram possibilidade de ler (só de ouvir), de rejeição do citado Decreto.
Face à atitude de "dirigentes" da UMP que conduziram algumas Misericórdias a aceder à sua intenção de rejeição, senão mesmo, repúdio pelo Decreto Geral para as Misericórdias importa proceder à análise da COERÊNCIA entre o pensamento e acção desses mesmos "dirigentes" enquanto irmãos das Misericórdias às quais pertencem e o pensamento e acção enquanto "dirigentes" da União das Misericórdias Portuguesas (UMP).
Uma palavra prévia, no entanto, é devida sobre o Decreto. O Decreto Geral para as Misericórdias foi uma iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que agiu em consonância com as competências que lhe estão conferidas pelo Código do Direito Canónico. Na mesma lógica de competências legais canónicas, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) aprovou e a Santa Sé promulgou as As Normas Gerais das Associações de Fiéis, em 2008.
Em contraposição a esta atitude de "dirigentes" da UMP a CEP pela boca do seu Presidente e do seu Secretário sempre manifestaram total abertura ao diálogo com as Misericórdias. Vamos abordar, hoje, a questão da coerência nas palavras e na acção de alguns "dirigentes" da União das Misericórdias Portuguesas.
Em espírito de Introdução invocamos:
- Parecer da Direcção Geral de Registos e Notariado, ao abrigo do qual é crescente o n.º de Notários que requer a apresentação da autorização do Senhor Bispo da respectiva Diocese quando a Misericórdia pretende celebrar escritura de alienação de património ou celebração de contratos de crédito (este Parecer foi aqui reproduzido na íntegra em 22-11-2010 e tem a seguinte referência oficial: Parecer proferido no processo nº C.N. 36/97 DSJ).
Estamos perante uma orientação da Administração Pública – do Estado Português – a criar uma nova obrigação às Misericórdias, até então inexistente. Esta orientação a que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) é completamente, alheia e que um número crescente de Notários tornou obrigatório, pode considerar-se inserida num reconhecimento progressivo e crescente, por parte do Estado, encarando as Misericórdias como Associações Públicas de Fiéis. Mais adiante iremos fazer referência a outros órgãos, nomeadamente, o Supremo tribunal de Justiça que vai pelo mesmo caminho.
O já referido Parecer foi publicado no Caderno 1 da DGRN, em Dezembro de 1997. E a partir daí começaram a surgir Notários a exigir a autorização do Bispo da Diocese a que a Misericórdia pertencia para alienação de património ou celebração de contrato de crédito.
Quando as Misericórdias começaram a ser confrontadas com este tipo de exigências por parte dos Notários expuseram a situação junto do então “presidente” do Secretariado Nacional e, cumulativamente, junto de outros membros desse órgão, o que “obrigou” a que esta matéria fosse alvo de análise e decisão do Secretariado Nacional.
O actual “presidente” já, então, era membro do Secretariado Nacional jamais se pronunciou sobre esta preocupação dos Senhores Provedores. Nem nessa altura nem em altura nenhuma. O seu silêncio pode ter uma dupla interpretação. A primeira por esta matéria, nova para as Misericórdias, lhe ser, completamente, indiferente ou, segunda, porque como diz a sabedoria popular quem cala consente, por concordar, na íntegra com a orientação da Direcção geral dos Registos e do Notariado.
A primeira razão pode ser resultado de nunca ter assumido o cargo de Provedor em nenhuma Misericórdia (foi Vice-Provedor de uma Misericórdia só durante 3 anos e ao que se sabe iria só a algumas reuniões da respectiva mesa Administrativa).
A segunda razão pode ser resultado da sua concordância com o entendimento, por parte da DGRN, de que as Misericórdias são associações públicas de fiéis.
Não havendo unanimidade, a maioria dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) vão no sentido de considerar as Misericórdias associações públicas de fiéis.
De entre esses Acórdãos referiremos os seguintes:
- Processo 05B116, datado de 17-02-2005, relativo à Misericórdia de Benavente, cujo resumo transcrevemos:
“I. O acto da Mesa Administrativa de uma Misericórdia relativo à admissão, filiação ou adesão de novos irmãos como membros efectivos da Irmandade respeita exclusivamente à vida interna ou inter-orgânica da instituição em causa, cuja fiscalização e tutela competem, por isso, ao "Ordinário Diocesano".
II. Não cabe, assim aos tribunais indagar da idoneidade ou da inidoneidade dos candidatos à filiação nesse instituto eclesial, e muito menos sindicar a "legalidade", ou sequer a oportunidade ou a conveniência, do acto de apreciação (positiva ou negativa) dessas candidaturas ou pedidos de filiação/admissão.
III. E daí a incompetência dos tribunais comuns "ratione materiae" para a sindicância da questionada legalidade e, consequentemente, para a apreciação de providência cautelar de suspensão da decisão da mesa administrativa - órgão executivo da Misericórdia - sobre a admissão de novos irmãos.”
- Processo 07B723, datado de 26-04-2007, relativo à Misericórdia do Porto, cujo resumo transcrevemos:
“1 . A decisão sobre a competência material tomada em procedimento cautelar não tem influência no processo principal.
2 . A Santa Casa da Misericórdia do Porto, como misericórdia e atento o seu compromisso, é uma instituição integrante da ordem jurídica canónica como associação de fiéis pública, que visa – enformada pelos princípios da doutrina e moral cristãs – satisfazer carências sociais e praticar actos de culto católico, tendo, na ordem jurídica civil, a natureza de instituição particular de solidariedade social.
3 . O artigo 41.º, n.º 4 da Constituição não resolve a questão da competência ou incompetência dos tribunais civis para conhecerem da impugnação da eleição dos corpos sociais das misericórdias que prossigam a referida duplicidade de fins.
4 . Abrindo apenas caminho à relevância das Concordatas estabelecidas entre Portugal e a Santa Sé.
5 . As quais, situando-se em plano inferior ao da Constituição da República, se situam em plano superior ao das normas internas do Estado Português.
6 . Do artigo 4.º do teor da Concordata de 1940 resulta a competência do Ordinário ali referido para apreciar o pedido de impugnação dum acto eleitoral duma misericórdia, quer seja invocada a violação do direito canónico, quer a violação do direito português.
7 . Cedendo, por se situarem hierarquicamente abaixo, normas internas portuguesas que disponham em sentido diferente.
8 . Perante a Concordata de 2004, se estiver em causa a violação do direito canónico, será chamada a intervir a autoridade da Igreja, se estiver em causa a violação do direito interno português, recorre-se aos tribunais civis.
9 . Para se saber qual das Concordatas deve ser considerada, interessa a data do acto que se impugna, não relevando a da propositura da acção.”
- Processo 743/08.0TBABT-A.E1.S1, datado de 17-12-2009, relativo à Misericórdia do Gavião, cujo resumo transcrevemos:
“1.Face ao preceituado nos arts. 10,11 e 12 da Concordata de 2004, não se situa no âmbito da jurisdição dos tribunais portugueses a dirimição de litígios situados na vida interna de pessoas jurídicas canónicas, regidos pelo Direito Canónico, aplicado pelos órgãos e autoridades do foro canónico que exerçam uma função de vigilância e fiscalização sobe as mesmas .
2. Os tribunais portugueses apenas são competentes para a aplicação dos regimes jurídicos instituídos pelo direito português - nomeadamente no DL119/83, que institui o regime das Instituições Particulares e Solidariedade Social – quanto às actividades de assistência e solidariedade, exercidas complementarmente pelas pessoas jurídicas canónicas .
3.Está excluída – desde logo, como decorrência do princípio constitucional da separação da Igreja e do Estado - a possibilidade de outorgar a um tribunal ou entidade pública o poder de sindicar um concreto acto ou decisão da competente autoridade eclesiástica no exercício da sua tarefa de vigilância e fiscalização sobre a vida interna de associações constituídas sob a égide do Direito Canónico – no caso, a recusa de homologação do resultado eleitoral para os corpos gerentes de uma Misericórdia, estatutariamente imposta como condição para a investidura - não podendo , por força do referido princípio constitucional, existir zonas de interferência, sobreposição ou colisão entre as competências atribuídas aos órgãos estaduais e as conferidas às autoridades eclesiásticas.”
Sobre o teor/conteúdo destes 3 (três) Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) quer o “presidente” do Secretariado Nacional quer os “dirigentes” da UMP jamais se pronunciaram. E não se tendo pronunciado uma de duas ou as duas conclusões são possíveis. A primeira, indiferença. A segunda, concordância.
Estas duas conclusões, únicas possíveis, são tanto mais surpreendentes quando agora, neste últimos tempos, se tem assistido a atitudes intempestivas por parte dos “presidentes” do Secretariado Nacional e da Mesa do Conselho Nacional.
E são ainda mais surpreendentes, por parte do “presidente” do Secretariado Nacional quando se sabe que ele é Irmão da Misericórdia do Porto. E na qualidade de Irmão da Misericórdia do Porto jamais se pronunciou sobre:
- a nomeação de um Comissário, pelo Senhor Bispo do Porto, o qual administrou a Misericórdia do Porto entre 2005 e 2007, numa decisão de enquadramento enquanto associação pública de fiéis.
O “presidente” do Secretariado Nacional quer enquanto Irmão da Misericórdia do Porto quer enquanto “dirigente” da UMP quer enquanto “presidente” do Secretariado Nacional jamais se opôs a que a Misericórdia do Porto fosse considerada associação pública de fiéis quer pela DGRN quer pelos Senhores Bispos do Porto quer pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Concluindo: o actual “presidente” do Secretariado Nacional da UMP (cargo a que chegou porque é irmão da Misericórdia do Porto), na qualidade de Irmão da Misericórdia do Porto concorda que os Senhores Bispos do Porto, que o Supremo Tribunal de Justiça e o actual Instituto dos registos e do Notariado considerem a Misericórdia do Porto uma Associação Pública de Fiéis.
E, em simultâneo, o actual “presidente” do Secretariado Nacional da UMP (cargo a que chegou porque é Irmão da Misericórdia do Porto), na qualidade de Irmão da Misericórdia do Porto opõe-se ao Decreto Geral para as Misericórdias.
Quer isto dizer que enquanto Irmão da Misericórdia do Porto, concorda que esta Misericórdia seja uma Associação Pública de Fiéis e, simultaneamente, enquanto Irmão da Misericórdia do Porto (“presidente” do SN da UMP) opõe-se a que a Misericórdia do Porto seja considerada uma Associação Pública de Fiéis.
Dito de outra forma. Enquanto Irmão da Misericórdia do Porto e “presidente” do Secretariado Nacional da UMP aceita que a Misericórdia do Porto seja uma Associação Pública de Fiéis e enquanto Irmão da Misericórdia do Porto e “presidente” do Secretariado Nacional da UMP não aceita que a Misericórdia do Porto seja uma Associação Pública de Fiéis.
Esta é a coerência que importa hoje aqui assinalar: concordar e, ao mesmo tempo, discordar que a Misericórdia do Porto seja considerada uma Associação Pública de Fiéis.
Do Extrato do Decreto do Bispo do Porto salienta-se:
“Aproveita-se a oportunidade para declarar que a Misericórdia do Porto, como associação pública de fiéis que é, está sujeita às limitações canónicas previstas no artigo 11º, nº 2, da Concordata de 2004, no artigo 82º das Normas Gerais para regulamentação das Associações de Fiéis, da Conferência Episcopal Portuguesa, nos cânones 1291 a 1298 do Código de Direito Canónico e no Decreto da Conferência Episcopal Portuguesa de 7.5.2002.
D I S P O S I T I V O
Nestes termos, tendo diante dos olhos somente a Deus, rezando a Nossa Senhora da Misericórdia e querendo fazer inteira justiça, decido responder NEGATIVAMENTE à fórmula da dúvida, pelo que não consta da nulidade da eleição para os corpos gerentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Porto, que teve lugar em 28.11.2004, negando provimento aos recursos hierárquicos interpostos, confirmando os eleitos, levantando a suspensão da eficácia da eleição e autorizando a tomada imediata de posse de todos os eleitos.
Notifique-se este Decreto aos mandatários dos recorrentes e dos contrainteressados, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, bem como ao Reverendo Comissário.
Paço Episcopal do Porto, 24 de Setembro de 2007.
O BISPO DO PORTO,”
Será de bom tom salientar ainda que a “presidente” da Mesa da Assembleia Geral da UMP assume uma postura em tudo igual à do “presidente” do SN.
É que a “presidente” da Mesa da Assembleia Geral da UMP é Irmã e Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa cuja única actividade conhecida é a ter a seu cargo o culto na Igreja de S. Roque.
Assim sendo a Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa é, claramente, uma Associação Pública de Fiéis.
Desta realidade só se pode concluir que a actual “presidente” da Mesa da Assembleia Geral da UMP na sua qualidade de Irmã e de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa concorda e aceita que esta Irmandade seja uma Associação Pública de Fiéis. Mas que a Irmã e de Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa não concorda e não aceita que esta Irmandade seja uma Associação Pública de Fiéis.

Resumindo: os “presidentes” da Mesa da Assembleia Geral da União das Misericórdias Portuguesas e do Secretariado Nacional aceitam e não aceitam, ao mesmo tempo e nas mesmas qualidades que as Misericórdias das quais são Irmãos sejam consideradas Associações Públicas de Fiéis e opõem-se a tal realidade. Aceitam uma realidade e querem o seu contrário.
Fazendo fé em fontes geralmente bem informadas importa referir ainda que o “presidente” da Mesa do Conselho Nacional recorreu à intervenção do Senhor Bispo de Setúbal para se manter como Provedor da Misericórdia.
Ou seja, o “presidente” da Mesa do Conselho Nacional da UMP que tanto se tem oposto e até quis cortar relações com a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) por esta ter tomado a decisão de considerar as Misericórdias associações públicas de fiéis não se coibiu de recorrer ao Senhor Bispo de Setúbal (reconhecendo, formalmente, que a Misericórdia é uma Associação Pública de Fiéis) para se manter no lugar.
Dito de outra forma. O actual “presidente” da Mesa do Conselho Nacional da UMP, para manter o cargo de Provedor aceita que a “sua” Misericórdia seja uma Associação Pública de Fiéis mas depois de garantida a sua continuidade já não aceita.
É esta coerência que importa hoje, agora e aqui assinalar.
Manifestações de coerência como estas aqui hoje referidas só enfraquecem o poder negocial e a capacidade de representação da União das Misericórdias Portuguesas.
Acresce que a este enfraquecimento exponenciaram esse enfraquecimento quando aceitaram dialogar com a Conferência Episcopal Portuguesa através de um intermediário que sendo Presidente da CNIS afirma representar as Misericórdias, já que muitas delas são filiadas na CNIS.
Acresce a tudo isto que há mais “dirigentes” da UMP que aceitam ser Irmãos e Dirigentes das Misericórdias que são Associações Públicas de Fiéis.
A posição das Misericórdias, eventualmente, representadas pelos actuais “dirigentes da UMP é, no mínimo insustentável.
Por fim mas não para concluir esta matéria dir-se-á que muitas Misericórdias têm expresso nos respectivos Compromissos que são Associações Públicas de Fiéis. E ainda que há muitos Provedores e Dirigentes de muitas Misericórdias que não estando expresso nos respectivos Compromissos, assumem por actos de prática corrente serem, essas Misericórdias, associações Públicas de Fiéis.

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