Foi ontem tornado público, por Nota de Imprensa do Gabinete do Provedor de Justiça que o Tribunal Constitucional declara inconstitucional norma que vincula entidades de cariz social à constituição de sociedade comercial para o exercício da actividade farmacêutica.
É uma boa notícia para as Misericórdias. Muito Boa.
Mas como sempre tudo isto passou à margem daqueles que estão instalados nos cargos dos órgãos sociais da União das Misericórdias Portuguesas (AICOSUMP).
Como sempre o que é importante, relevante mesmo, não é digno da mais pequena atenção por parte de AICOSUMP.
Jamais os "dirigentes" da UMP se preocuparam com a discriminação de que as Misericórdias foram alvo ao querer obrigá-las a constituirem sociedades comerciais para continuarem a gerir as suas farmácias.
Em boa hora o Provedor de Justiça tomou a iniciativa de requerer a inconstitucionalidade da norma.
Em boa hora o Tribunal Constitucional reconheceu a insconstitucionalidade.
Assim, as Misericórdias já não necessitarão de constituir uma sociedade comercial para continuarem a gerir as suas Farmácias.
Mas não nos admiremos que a todo o momento surja ou o "presidente" ou o Secretariado Nacional (SN) a anunciarem esta decisão do Tribunal Constitucional como uma vitória sua. Que foi por sua iniciativa que este processo se desencadeou.
Vá lá senhor(?) "presidente" do SN da UMP emita lá uma Circular a anunciar mais esta vitória que concerteza com todo o mérito lhe pertence.
Vá senhor(?) "presidente" e restantes membros do SN da UMP emitam uma qualquer nota a dizer às Misericórdias que as Misericórdias obtiveram esta grande vitória devido ao mérito da v. intervenção.
As Misericórdias aguardam ansiosamente que vexas lhe comuniquem que de facto são as mais altas competências, com in, e as pessoas com mais elevadas fluências, sem in, e que só por isso foi possível às Misericórdias obterem esta vitória legal.
Para que as Misericórdias possam conhecer a íntegra do processo, anexamos todos os documentos quer do Provedor de Justiça quer do tribunal Constitucional.
Provedor de Justiça considera inconstitucional a exclusão das misericórdias, e de outras entidades com fins sociais, do direito à propriedade das farmácias | |||
O Provedor de Justiça enviou ao Tribunal Constitucional um pedido com vista à declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas do regime legal das farmácias que excluem as entidades do sector social da economia – misericórdias, mutualidades, cooperativas, instituições particulares de solidariedade social, e outras entidades sem fins lucrativos – da possibilidade de, enquanto entidades com a referida natureza, exercerem a actividade económica da venda de medicamentos e demais serviços prestados pelas farmácias. O actual regime jurídico das farmácias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, impõe que as entidades proprietárias de farmácias sejam pessoas singulares ou sociedades comerciais, proibindo que outras pessoas colectivas, que não revistam o estatuto jurídico de sociedade comercial, possam exercer a actividade em causa. A lei esclarece que as entidades do sector social que queiram ser proprietárias de farmácias têm de submeter-se ao regime fiscal das sociedades comerciais, na prática impondo que esse exercício se faça sem que as referidas entidades possam beneficiar das isenções fiscais que lhes são conferidas por lei, desde logo da isenção em sede de IRC. A lei define, ainda, um prazo para que as entidades sociais que detivessem, à data da sua entrada em vigor, farmácias, procedam a essa adaptação. Entende o Provedor de Justiça que esta solução legal viola princípios fundamentais da Constituição, como os princípios da igualdade e da proporcionalidade, e, ainda, a garantia, estabelecida no art.º 82.º da Constituição, da coexistência de três sectores – público, privado, e cooperativo e social – de propriedade dos meios de produção. Concretamente, considera-se que a solução legal encontrada pelo legislador para colocar em situação de igualdade fiscal todas as entidades proprietárias de farmácias – tendo em vista a garantia da concorrência num mercado privado – não se mostra nem adequada nem proporcionada a este fim. Não se mostra adequada, na medida em que a questão da concorrência do sector social e cooperativo, designadamente com o sector privado, se porá, da mesma forma, em qualquer actividade económica, e não só na venda de medicamentos. Não é uma solução proporcionada, tendo em conta que a própria lei, desde logo o Código do IRC, prevê já mecanismos que visam anular ou atenuar tais benefícios quando as entidades do sector social actuem em domínios em que a concorrência, designadamente com o sector privado, deva ser garantida, alcançando-se a convergência, ou mesmo igualdade, de armas no domínio fiscal, sempre que estas se justificarem. Nascimento Rodrigues alerta, ainda, para o interesse público e social da venda de medicamentos, desde logo aos respectivos associados, por parte de instituições dedicadas a objectivos de solidariedade social. Conforme refere no requerimento apresentado, não se afigura “natural o legislador vedar àquelas instituições o direito à propriedade de farmácias, obrigando-as a “travestir-se” de sociedades comerciais se quiserem prosseguir uma actividade de saúde, com finalidades sociais, ou seja, não lucrativas”. O objectivo de se garantir o princípio da acessibilidade das populações à farmácia, nomeadamente em zonas de populações carenciadas urbanas ou rurais – como, em recomendação de 2006 fora assinalado pela Autoridade da Concorrência – perpassa nesta posição do Provedor de Justiça. O texto integral do requerimento ao Tribunal Constitucional encontra-se acessível, para consulta, em Gabinete do Provedor de Justiça, em 24 de Novembro de 2008 -*-*-*-*-*-*-*-*-*- Meritíssimo Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional R-6536/07 (A6) O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, vem requerer, ao Tribunal Constitucional, a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade das normas do artigo 14.º, n.ºs 1 e 3, esta no segmento que obriga as entidades do sector social da economia a submeterem-se ao regime fiscal das pessoas colectivas referidas no n.º 1 da norma, e, consequentemente, das dos artigos 47.º, n.º 2, alínea a), e 58.º, todas do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto. Entende o Provedor de Justiça que as referidas normas violam o princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e a garantia institucional da coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção, respectivamente decorrentes dos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 (e implicitamente do artigo 2.º, que contém a noção de Estado de direito democrático), e 82.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, pelas razões adiante aduzidas. 1.º O Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina. 2.º O diploma em apreço determina, como princípio geral, no respectivo art.º 14.º, n.º 1, que podem ser proprietárias de farmácias pessoas singulares ou sociedades comerciais. 3.º Concomitantemente, esclarece aquele Decreto-Lei, desta feita no n.º 3 do mesmo art.º 14.º, que " as entidades do sector social da economia podem ser proprietárias de farmácias desde que cumpram o disposto no presente decreto-lei e demais normas regulamentares que o concretizam [designadamente constantes das Portarias n.ºs 1427, 1428, 1429 e 1430/2007, todas publicadas em 2 de Novembro], bem como o regime fiscal aplicável às pessoas colectivas referidas no n.º 1 [do artigo]". 2 4.º Na decorrência das regras mencionadas, estabelece o legislador, no art.º 47.º, n.º 2, alínea a), do diploma, que constitui contra-ordenação (grave, punível com coima de €5000 a €20000, a que podem acrescer as sanções acessórias elencadas no art.º 49.º) o facto de a propriedade da farmácia pertencer a pessoa colectiva que não assuma a forma de sociedade comercial. 5.º Finalmente, e em sede de disposições finais, vem o legislador obrigar as entidades do sector social da economia que sejam proprietárias de farmácias à data da entrada em vigor do diploma, a procederem, no prazo de cinco anos a contar da sua entrada em vigor, às adaptações necessárias ao cumprimento dos requisitos previstos no art.º 14.º, a que acima se fez referência. 6.º As regras do Decreto-Lei n.º 307/2007 que enquadram o estatuto jurídico das entidades que podem ser proprietárias de farmácias, constantes do seu art.º 14.º, n.ºs 1 e 3 (na parte relativa ao regime fiscal), e as regras que decorrem da imposição daquele estatuto – para o que aqui interessa, constantes dos art.ºs 47.º, n.º 2, alínea a), e 58.º do diploma –, assumidamente visam excluir as entidades do denominado sector social da economia da possibilidade de, enquanto entidades com a referida natureza, exercerem a actividade económica, mas de patente relevo público, da venda de medicamentos e demais serviços prestados pelas farmácias (permitindo-se apenas a manutenção, por um período de cinco anos após a entrada em vigor do diploma, da propriedade, por parte destas entidades, de farmácias pelas mesmas já detidas precisamente à data da entrada em vigor do diploma). 7.º São de duas ordens as razões invocadas pelo legislador para tal solução: a possibilidade de ser efectivado um apertado controlo administrativo da titularidade das farmácias, e a promoção da igualdade fiscal entre as entidades das mesmas detentoras. 8.º As motivações do legislador resultam, aliás, inequívocas do preâmbulo do diploma, desta forma: "É importante referir que a propriedade das farmácias fica reservada a pessoas singulares e a sociedades comerciais, possibilitando-se, consequentemente, um apertado controlo administrativo da respectiva titularidade. (...) 3 Com o presente diploma, impõe-se a alteração da propriedade das farmácias que actualmente são detidas, designadamente, por instituições particulares de solidariedade social. No futuro, estas terão de constituir sociedades comerciais, em ordem a garantir a igualdade fiscal com as demais farmácias". 9.º As normas acima mencionadas mostram-se contrárias não só a princípios transversais ao texto constitucional, concretamente ao princípio da igualdade e ao princípio da proporcionalidade – o primeiro com expressão genérica no art.º 13.º, o segundo decorrendo do art.º 18.º, n.º 2, e implicitamente da noção de Estado de direito democrático a que alude o art.º 2.º –, como também a normas da Constituição que visam a tutela e a promoção da actividade das entidades incluídas no denominado sector social e cooperativo, como as que decorrem dos art.ºs 61.º, n.ºs 2 e 3, 63.º, n.º 5 1 e, muito especialmente, a garantia institucional da coexistência dos sectores público, privado e cooperativo e social, estabelecida no art.º 82.º.
10.º A este propósito, mostra-se relevante chamar à colação a jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente constante dos Acórdãos n.ºs 635/2006 e 236/2005, que decidiram questão conexionada com a que é objecto do presente requerimento. 11.º Assim, e estando aí em causa normas legais que impediam as associações mutualistas de, em benefício dos seus associados, exercerem as actividades que constituem o objecto das agências funerárias, entendeu-se não existir "fundamento legítimo e racional para o tratamento discriminatório das associações mutualistas relativamente ao exercício da actividade funerária" (Acórdão n.º 635/2006), considerando-se violado o princípio da igualdade estabelecido no art.º 13.º da Constituição. 12.º Fundamentou o Tribunal Constitucional a sua decisão não só na circunstância de "as finalidades não lucrativas destas associações – e, no caso, apenas 1 Estes princípios são reafirmados designadamente no art.º 32.º das actuais bases gerais do sistema de segurança social, aprovadas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro. 4 desenvolvidas em proveito dos seus associados – [poderem] atenuar, ou mesmo eliminar, o risco de ocorrência de "situações menos transparentes", que o legislador (...) visou prevenir", como no facto de as associações mutualistas estarem sujeitas à tutela do Estado, podendo considerar-se "reforçada a garantia de observância das imposições estabelecidas para o exercício da actividade funerária" (Acórdão n.º 635/2006). 13.º É certo que, no caso da matéria objecto deste requerimento, e na situação hipotética da inexistência das restrições assinaladas, as entidades do sector social da economia – em síntese, entidades sem fins lucrativos, incluindo as instituições de solidariedade social, constituídas sob as mais variadas formas jurídicas (cooperativas, mutualidades, misericórdias, etc.) – poderiam, em teoria, e consoante a forma jurídica que assumissem em concreto, exercer a actividade farmacêutica (venda de medicamentos e prestação dos demais serviços previstos na lei), não só para os respectivos associados (como acontecia na situação em apreciação no Acórdão n.º 635/2006), mas também para o público em geral. 14.º De qualquer forma, entende-se que tal circunstância não altera, para efeitos da verificação da violação do princípio da igualdade, a possibilidade de ser aplicada, à situação que motiva este pedido, a referida jurisprudência desse Tribunal. 15.º Bem pelo contrário: se a venda de medicamentos pode ser objecto de um "mercado", ainda que regulado e fiscalizado pelo Estado, é de evidente interesse público e social que ele também possa ser disponibilizado, em particular aos respectivos associados, por intermédio de instituições dedicadas, enquanto tais, a objectivos de solidariedade social. 16.º Dir-se-ia ser essa uma solução natural: ao invés, o que não se afigura natural é o legislador vedar àquelas instituições o direito à propriedade de farmácias, obrigando-as a "travestir-se" de sociedades comerciais se quiserem prosseguir uma actividade de saúde, com finalidades sociais, ou seja, não lucrativas.
17.º Também nesta perspectiva poderá aqui ser aplicada parte da fundamentação dos Acórdãos n.ºs 635/2006 e 236/2005, embora não tenha, então, o Tribunal 5 Constitucional decidido (não obstante os três votos vencidos) no sentido da violação do princípio da proporcionalidade. 18.º Conforme se pode ler no Acórdão n.º 236/2005, "a constituição como sociedade não é um meio especificamente vocacionado (e, sobretudo, único) para o exercício da actividade funerária de forma transparente e digna. Não o é, desde logo, porque o processo de constituição de uma sociedade nenhuma conexão apresenta com a actividade funerária. E, também não o é, porque a forma societária só por si não fornece garantias absolutas do exercício de uma (qualquer) actividade de modo transparente e digno. (...) De resto, numa perspectiva institucional, existe (...) uma semelhança significativa entre a associação e a sociedade, já que a ambas as entidades é inerente uma organização jurídica (e social) que de igual modo cria condições para um exercício digno da actividade em questão (entre outras)". 19.º Tal linha argumentativa encontra as suas conclusões lógicas designadamente na fundamentação da declaração de voto do Conselheiro Gil Galvão aposta no Acórdão n.º 635/2006, nos seguintes termos: "Tendo os cidadãos, em princípio, nos termos do artigo 46.º da Constituição, o direito de constituir associações, que "prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas", e o direito à livre constituição de cooperativas, incluindo as de natureza mutualista (artigos 61.º, n.º 2, e 82.º, n.º 4, alínea d), todos da Constituição), e sendo certo que, nos termos do n.º 5 do artigo 63.º, também da Constituição, "o Estado apoia [...] a actividade e o funcionamento das instituições particulares de solidariedade social", aquela restrição não passa, seguramente, a exigência de proporcionalidade, expressamente mencionada no n.º 2 do artigo 18.º da lei fundamental, mas, em termos genéricos – como limitação geral ao exercício do poder público –, resultando iniludivelmente do próprio princípio do Estado de direito, consagrado no seu artigo 2.º Ora, no caso em análise, entendo que uma tal restrição não satisfaz o princípio da adequação (a medida restritiva não se revela um meio adequado para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), nem o princípio da exigibilidade (essa medida restritiva não será exigida para alcançar os fins em vista), nem, tão-pouco, o princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (por ser manifestamente excessiva e desproporcionada em relação às vantagens que apresenta)". 6 20.º A imposição de determinado estatuto jurídico – de sociedade comercial – às entidades do sector social proprietárias de farmácias também não passa a exigência de proporcionalidade no confronto com as duas ordens de razões, já acima mencionadas, que motivaram o legislador a estabelecer a referida solução legal. 21.º Desde logo, não se vislumbra de que forma essa imposição possibilita um controlo administrativo mais eficaz da titularidade da propriedade das farmácias, designadamente tendo em vista a fiscalização do cumprimento da regra, ínsita no art.º 15.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei n.º 307/2007, que obriga a que nenhuma entidade possa deter ou exercer, em simultâneo, directa ou indirectamente, a propriedade, a exploração ou a gestão de mais de quatro farmácias. 22.º Na verdade, sendo tarefa do Estado, atribuída pela Constituição designadamente no respectivo art.º 63.º, n.º 5, a fiscalização, nos termos a concretizar na lei, da actividade e do funcionamento das instituições particulares de solidariedade social e de outras de reconhecido interesse público sem carácter lucrativo, tal atribuição fundamental do Estado, imposta pela Constituição, seria suficiente para permitir o controlo administrativo eficaz de que fala o legislador no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2007. 23.º Também não cumpre o pressuposto da proporcionalidade o objectivo assumido pelo legislador de colocar em situação de igualdade fiscal todas as entidades proprietárias de farmácias, objectivo que tem naturalmente implícitas preocupações que se associam à garantia da concorrência num mercado privado, desde logo na medida em que as instituições particulares de solidariedade social e pessoas colectivas equiparadas beneficiam, nos termos do art.º 10.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, de isenção deste imposto, no âmbito dos seus fins estatutários. 24.º Sendo certo que a garantia da concorrência – por ser incumbência prioritária do Estado, no âmbito económico e social, "assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral" (art.º 81.º, alínea f), da Constituição) – é um valor constitucional autónomo que deverá ser compatibilizado com outros em situações de colisão, a solução legal do Decreto-7 Lei n.º 307/2007 que exclui do exercício da actividade farmacêutica as entidades do sector social enquanto tais, não se mostra adequada a essa eventual composição de interesses. 25.º Ao invés, equipara o que não é, por natureza, equiparável, pois que as instituições sociais, enquanto tais, não se posicionam como "agentes comerciais" obrigados a concorrência salutar (cf. art.º 99, alínea a), da Constituição). 26.º Antes de mais, não se mostra tal solução adequada, na medida em que a questão da concorrência do sector social e cooperativo designadamente com o sector privado se porá, da mesma forma, em qualquer actividade económica, e não só na venda de medicamentos, no quadro próprio da existência e funcionamento destes sectores: o sector social, visando objectivos de solidariedade social; o sector privado, garantido pelo "funcionamento eficiente dos mercados", através da "equilibrada concorrência entre empresas" (cf. art.º 81.º, alínea f), da Constituição). 27.º É certo que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 307/2007, as entidades do sector social da economia só podiam ser proprietárias de farmácias em três situações específicas: se as farmácias se destinassem apenas aos seus fins privativos, se houvesse interesse público na abertura de farmácia, ou na sua manutenção, em locais relativamente aos quais não aparecessem farmacêuticos interessados na respectiva instalação ou manutenção, mais permitindo a anterior legislação a manutenção das farmácias abertas ao público de que as referidas entidades fossem já proprietárias à data da entrada em vigor do diploma (Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, Base II, n.ºs 4 e 5). 28.º É verdade, também, que com a entrada em vigor do novo regime jurídico das farmácias, a actividade económica pelas mesmas desenvolvida alterou-se substancialmente, podendo as farmácias, neste momento, facultar aos utentes um conjunto de serviços – dispensa de medicamentos ao domicílio e através da internet, apoio domiciliário, administração de primeiros-socorros e de vacinas, entre outros (cf. Portarias n.ºs 1427 e 1429/2007, já mencionadas), a que acresce a possibilidade de, pelas mesmas, serem feitos descontos no preço dos medicamentos (cf. art.º 28.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 307/2007) –, não usuais ou mesmo vedadas há alguns anos atrás. 8 29.º Isto é, a liberalização da propriedade das farmácias e a aprovação dos respectivos regime jurídico e regulamentações actuais, trouxeram uma nova dinâmica ao sector, e determinaram, consequentemente, a preocupação que terá estado na origem da imposição da forma societária às pessoas colectivas que pretendam ser proprietárias de farmácias. 30.º Na verdade, e para além das especificidades, de natureza histórica, da legislação que foi enquadrando a actividade farmacêutica – na prática, só recentemente permitindo, pela liberalização da propriedade das farmácias, uma mais completa abertura à iniciativa económica privada –, não se vislumbram que razões válidas do ponto de vista constitucional poderão justificar a constrição imposta, pela legislação de que nos ocupamos, às entidades do sector social, que não ocorram nas demais actividades económicas exercidas concorrentemente pelos sectores privado e social. 31.º Por exemplo: para que uma entidade social fosse proprietária ou gerisse um lar de idosos ou um hospital, haveria a mesma de constituir-se em sociedade comercial? Poderá o Estado forçar a igualizar, pelo "mercado", realidades históricas que nunca pertenceram ao "mercado" das empresas? 32.º Tem-se evidentemente como pressuposto da admissibilidade da titularidade da propriedade de farmácias por entidades do sector social a vinculação destas aos mesmos deveres que incumbem às restantes entidades, pessoas singulares ou sociedades comerciais, proprietárias de farmácias – submissão estrita às normas do regime jurídico das farmácias e respectivas regulamentações decorrentes das várias Portarias mencionadas –, o que resulta já, aliás, da norma do art.º 14.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 307/2007, na parte que não é objecto do presente requerimento, e que determina que as entidades do sector social proprietárias de farmácias cumpram o disposto no diploma e nas normas regulamentares que o concretizam. 33.º Assim sendo, a questão a analisar para efeitos deste requerimento, quanto ao segmento da norma do art.º 14.º, n.º 3, que obriga as entidades em causa a submeterem-se ao mesmo regime fiscal das demais pessoas colectivas proprietárias de farmácias, circunscreve-se à questão do regime fiscal mais favorável de que efectivamente beneficiam as entidades do sector social da economia. 9 2 Aliás, no âmbito da Recomendação n.º 1/2006 da Autoridade da Concorrência, sob o tema "Medidas de reforma do quadro regulamentar da actividade das farmácias, com vista à promoção da concorrência no sector", não só não se recomenda no sentido legislado e aqui contestado, como se propõe a "criação de regulamentação específica que preveja a promoção da distribuição de medicamentos através de farmácias das entidades de solidariedade social, de forma a garantir o princípio da acessibilidade das populações à farmácia, nomeadamente nas zonas de populações carenciadas urbanas ou rurais". Tendo em conta a possibilidade, conferida pela nova legislação (cf. art.ºs 23.º e segs. da Portaria n.º 1430/2007, já mencionada) da transferência da localização das farmácias, a preocupação da Autoridade da Concorrência virá certamente a revelar-se pertinente. 34.º Este regime fiscal, podendo em teoria constituir um elemento com relevância para efeitos da concorrência, não tem uma influência diferente na actividade farmacêutica do que nas restantes actividades abertas aos sectores privado e social – desde logo, da distribuição grossista de medicamentos –, e em que o exercício é feito de forma concorrencial. 35.º Ou seja, a questão da concorrência entre os sectores privado e social não tem contornos específicos na actividade farmacêutica que não assuma noutras actividades económicas, e que justifique que as entidades do sector social não possam, nesta qualidade, exercer aquela actividade, no âmbito dos seus fins próprios 2. 36.º Acresce que, designadamente o Código do IRC prevê, no mesmo artigo (10.º) em que concede a isenção mencionada, desta feita nos n.ºs 3 a 5, um conjunto de regras que precisamente visam anular ou atenuar os benefícios em sede de IRC de que gozam as instituições em causa quando, no exercício da respectiva actividade, actuem em domínios em que a concorrência, designadamente com o sector privado, deva ser garantida, alcançando-se a convergência, ou mesmo igualdade, de armas no domínio fiscal, sempre que estas se justificarem. 37.º Estas regras, no caso em sede de IRC, garantiriam, por si, uma solução equilibrada na aplicação da vantagem fiscal assumidamente concedida pelo Estado às instituições sem fins lucrativos, de resto em cumprimento de norma constitucional expressamente vinculativa nesse sentido, concretamente o art.º 63.º, n.º 5, da Constituição. 10 38.º A opção por impedir que as entidades do sector social possam, enquanto entidades com esta natureza, exercer a actividade farmacêutica, revela-se desde logo desproporcionada ao fim que visa atingir, existindo já mecanismos consagrados na lei que permitem a atenuação das preocupações reveladas pelo legislador. 39.º Tal opção mostra-se também desadequada à prossecução desse mesmo fim, atendendo a que, como fica dito, o tipo de razões que a motivaram não se relacionam exclusivamente com a venda de medicamentos (e restantes serviços prestados pelas farmácias), colocando-se, em igual medida, relativamente a qualquer outra actividade económica que seja exercida de forma concorrencial entre os sectores privado e social.
40.º O art.º 82.º, n.º 1, da Constituição, garante a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção – público, privado, e cooperativo e social, tal como definido no n.º 4, designadamente incluindo os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas e os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas, sem carácter lucrativo, que tenham como principal objectivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista. 41.º Em anotação a esta norma constitucional, referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira que "é este um dos preceitos-chave da "constituição económica" configurada na CRP. Ao garantir a coexistência de três sectores económicos (nº 1), com a mesma credencial constitucional, e ao delimitar com algum rigor os seus contornos, esta disposição consubstancia um dos princípios fundamentais da organização económica exarados no art. 80º, conferindo a esta o esqueleto que globalmente a enforma. A institucionalização dos três sectores, no mesmo plano, como estruturas necessárias do sistema económico constitucionalmente desenhado, atribui a este um carácter sui generis. O princípio da coexistência 11 3 In "CRP; Constituição da República Portuguesa Anotada", Tomo I, 2007, Coimbra Editora, pp. 975 e 976. 4 Ob. cit., p. 977. 5 Ob. cit., p. 990. dos três sectores é de tal modo relevante, que ele faz parte do elenco dos limites materiais de revisão (art. 288º/f" 3) . 42.º Acrescentam os referidos autores: "Além de assegurar o substrato mínimo de cada um dos referidos sectores (e subsectores), a garantia institucional assegura também um tratamento público essencialmente igual das empresas dos diversos sectores, sem discriminações injustificadas (mas sem prejuízo das discriminações positivas da Constituição, por exemplo em relação ao sector cooperativo e à autogestão (...). Um e outro destes aspectos são plenamente justiciáveis, desde logo em sede de justiça constitucional, sempre que uma norma ou decisão administrativa restrinjam em termos injustificados ou aniquiladores o âmbito de qualquer desses sectores ou estabeleçam discriminações constitucionalmente infundadas entre eles" 4. "Tal como sucede em relação aos demais sectores, também no caso do sector social e cooperativo a garantia institucional do nº 1 [do art.º 82.º] significa que lhe está assegurado o peso e a dimensão necessários para ter o seu lugar numa economia mista, para além da dicotomia sector privado – sector público. (...) A Constituição não estabelece nenhum limite ao âmbito das actividades abertas às várias modalidades do sector social e cooperativo, nem prevê que a lei lhes vede certas áreas, como sucede em relação ao sector privado (...)"5. 43.º Quanto à questão objecto deste requerimento, tomam os mesmos autores posição, no sentido da inadmissibilidade constitucional da solução legal aqui contestada, desta forma: "Em princípio, nenhuma actividade lícita está excluída do alcance do sector privado (...). Questão diferente é a de saber se a lei pode reservar certas actividades para o sector privado, excluindo os demais sectores, tanto o sector público como o sector social (como sucede entre nós com as farmácias). A resposta é, em princípio, negativa, não tanto por não estar prevista na Constituição, mas sim por não se ver que interesse público é 12 6 Ob. cit., pp. 985 e 986. que poderia justificar tal privilégio do sector privado face ao sector social e cooperativo , nem como é que se pode excluir a actividade pública em sectores em que pode haver um interesse público relevante na entrada do sector público nessa mesma actividade" 6 (sublinhado meu). 44.º Por tudo o que acima resulta exposto, facilmente se conclui pela inexistência de interesse público, com relevância constitucional, que possa ter justificado a exclusão, operada designadamente pelas normas do art.º 14.º, n.º 1 e 3 (segmento indicado), do Decreto-Lei n.º 307/2007, da possibilidade de exercício, pelas entidades do sector social, enquanto tais, da actividade económica da venda de medicamentos – e demais serviços que podem ser prestados pelas farmácias –, constituindo tal exclusão uma violação da garantia institucional da coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção a que alude a norma do art.º 82.º da Lei Fundamental. Nestes termos, pelos fundamentos expostos, requer-se, ao Tribunal Constitucional, que aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 14.º, n.ºs 1 e 3, esta no segmento que obriga as entidades do sector social a submeterem-se ao regime fiscal das pessoas colectivas referidas no n.º 1 da norma, e, consequentemente, das dos artigos 47.º, n.º 2, alínea a), e 58.º, todas do Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, por violação do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade, e da garantia institucional da coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção, respectivamente decorrentes dos artigos 13.º, 18.º, n.º 2 (e implicitamente do artigo 2.º, que contém a noção de Estado de direito democrático), e 82.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição. O Provedor de Justiça H. Nascimento Rodrigues-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
|
2 comentários:
Agora que não há dinheiro para os medicamentos (crise) é que vêm com esta decisão??
Como deve proceder a farmácia da Misericórdia quando o cliente não tem dinheiro suficiente para aviar a receita ?? Fazendo jus ao espírito de Misericórdia deveria oferecer os medicamentos, tanto mais que, agora, já nem colhe a desculpa de ser uma sociedade comercial como qualquer outra.
Já agora e seguindo o pensamento do comentador das 12:09, as Misericórdias teriam os utentes à borla nas suas valências enquanto alguém ficava com a massa. É que nem todas as Misericórdias tem farmácias. Mas, se houver alguém que se disponibilize a ser Misericordioso, pelo menos, que se disponibilize a ofertar ou doar algo ás Misericórdias.
Enviar um comentário