sábado, 23 de outubro de 2010

A Crise e as Misericórdias (Parte II)

por Fernando Cardoso Ferreira
Presidente do Conselho Nacional da União das Misericórdias Portuguesas)
Em Agosto passado, com este mesmo título, anunciado o aumento de impostos e reduções nas prestações sociais, previ tempos difíceis para os Portugueses e para as empresas, em todos os sectores de actividade.

O que não previ foi a brutalidade das medidas que se seguirão para 2011.

Parece que muitos economistas tinham razão e as medidas anteriormente anunciadas foram tardias e insuficientes, ou mal calculadas, o que vem dar no mesmo.

A partir de Janeiro de 2011, em síntese, teremos muito menos dinheiro e pagaremos tudo muito mais caro.

Dito assim, desta forma simplificada, não parece diferente do que tem vindo a acontecer ao longo dos últimos anos.

A diferença, porém, está no muito, muito menos dinheiro e tudo muito mais caro.

Temo que as previsões negras do resultado se venham a concretizar.

Mais desemprego, redução do consumo, mais falências de empresas, enfim, um cenário trágico.

E este cenário vai determinar uma pressão enorme sobre as Instituições sociais, nomeadamente sobre as Misericórdias.

Pressão na procura de serviços e pressão sobre a gestão.

Na procura porque mais pessoas vão necessitar de apoio básico, traduzido em alojamento, alimentação e cuidados de saúde.

Na gestão porque os custos de funcionamento vão subir e as receitas vão diminuir.

A subida do IVA, a inflação e o aumento anunciado do preço da energia, gás e electricidade, entre outros, significam uma escalada geral de custos.

No plano das receitas, sabe-se já que a comparticipação estatal para 2011 não sofrerá qualquer aumento.

Para além disso é previsível que o agravamento da situação financeira das famílias leve a interrupções do pagamento das comparticipações familiares.

Acresce que algumas outras fontes de rendimento das Misericórdias, tais como as resultantes de arrendamento de imóveis e de áreas de negócio anexas, como por exemplo, no caso da Misericórdia de Setúbal, a Loja do Idoso e a Loja de Mediação de Jogos Sociais, seguramente verão o seu movimento reduzido.

Significa isto que para garantir a sustentabilidade de Instituições como as Misericórdias é preciso tomar medidas drásticas.

A começar pelo adiamento, (ou mesmo cancelamento), de projectos de investimento.

Mesmo que as Instituições disponham de recursos próprios para os levar a cabo, vão necessitar desses meios em 2011 e 2012, (pelo menos…), para garantirem o funcionamento, sem diminuição da qualidade dos serviços prestados aos seus utentes e sem recurso à diminuição dos respectivos quadros de pessoal.

A par disso, tem de ser intensificado o esforço de redução da despesa, e nunca é de mais dizer, sem que isso ponha em causa o bem-estar dos utentes.

Nos últimos quinze anos fomos induzidos, (e conduzidos), a viver muito para além das nossas posses.

E não merece a pena dizer que a crise veio de fora, já o sabemos.

Mas sabemos também agora que ela veio pôr a descoberto e agravar, uma outra crise, nacional, profunda, já existente e irresponsavelmente escondida dos olhos dos Portugueses.

São muito difíceis os tempos que aí vêm, para os Portugueses e para as Instituições, como as Misericórdias que garantem o essencial do Estado Social.

De que aliás, já não se houve falar…

Ao longo dos séculos as Misericórdias sobreviveram a guerras, pestes, maus governos e revoluções.

Podem os Portugueses estar certos de que sobreviverão também ao pesadelo que se aproxima.

Setúbal na rede

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